domingo, 17 de junho de 2018

Divórcio e Re-Casamento



Frequentemente deparo-me com textos (nas redes sociais) registando posições bem radicais, deterministas, inegociáveis e intolerantes quanto ao assunto do divórcio e re-casamento. Pasmem-se, a esmagadora maioria das vezes escritos por jovens que, não se sabe muito bem como, se têm como mestres nas Escrituras (e são seguidos por outros, como se tal fossem) sem nunca terem passado por nenhum tirocínio válido de seu conhecimento Bíblico e carácter perante outros pastores ou professores credenciados ou (mais importante) perante a própria igreja local.

Autoria: Pr. Tito Pereira

Muitos destes jovens falam e declaram verdades doutrinárias sobre temas complexos e sensíveis, como se fossem eles a última palavra sobre a matéria. Frequentemente debaixo da patética bandeira de que “eles sim” não estão sujeitos ao jugo de nenhuma instituição religiosa e portanto livres para dizer A VERDADE sobre estes assuntos, enquanto, dizem eles, os pastores e teólogos que adoptam uma posição diferente da deles, estão errados, são fracos, débeis na sua teologia e muitas vezes cognominados de hereges pois são reféns da máquina religiosa.

Frequentemente alerto para a cautela com estes gurus do Facebook. Qualquer jovem que manifesta uma postura anárquica face à Igreja, que se apresenta como a Luz da verdade e que demoniza todos aqueles que não sustentem as mesmas posições…é com certeza alguém perigoso, movido por egotismo e por certo é um “trouble maker” que raramente se humilhou ao ponto de se submeter às autoridades que Deus constituiu sobre a sua vida.

Dito isto, quero-me posicionar de forma clara. Eu sou um pastor conservador, ortodoxo, reformado, nada dado às modas evangélicas (sejam elas liberais ou reformadas), inúmeras vezes criticado, agredido e insultado por minhas posições categóricas. Portanto, não creio que minhas convicções relativamente ao divórcio e re-casamento constituam per si motivo para me declararem persona non grata. Embora seja isso mesmo que vá acontecer.

Ultimamente constato que John Piper passou a ser usado como trunfo nesta questão. Dado que sua posição conhecida registada em textos, artigos e vídeos, é a de que não aceita a cláusula de exceção (Mateus 5 e 19), nem tão pouco aceita como Escrituristicamente permitido o re-casamento.

E nesta coisa das novas modas, muitos crentes confundem respeito e admiração por grandes servos de Deus, com a estranha ideia de que “eles é que sabem”. Percebi nesse processo, que cada um usa o teólogo que mais lhe convém só nos assuntos que mais lhes convém. E atenção, tenho uma admiração tremenda por John Piper e incentivo a qualquer crente a lê-lo e escuta-lo com atenção.

Tenho verificado o Peso e a Tristeza colocada em cima (sobretudo de mulheres) por posições destas. Mulheres que são abusadas, agredidas de todas as formas, maltratadas, vilipendiadas, usadas como meros objectos, a quem, pastores desqualificados por ignorância, falta de ética ou fundamentalismo religioso, as "despacham" perante atroz sofrimento e total desamor com, “vá para casa e ore”. Que coisa cruel a fazer com uma filha de Deus que não é amada (mas sim odiada) pelo seu marido. E escusado deveria ser ter que registar que é óbvio que a mulher deve orar incessantemente por esse assunto. Devemos todos.

Se aquilo que a teologia Bíblica tem para oferecer aos olhos de certos pastores relativamente à questão do divórcio é a simplista ordem de “vai, sofra e ore”…muito mal vamos então. Atenção, eu tenho consciência que não posso argumentar exaustivamente este tema num mero artigo. Há livros, monografias e teses escritas sobre cada um destes assuntos, portanto não esperem de mim minúcia. Exponho-me com uma publicação no intuito de manifestar a minha convicção e dessa forma procurar edificar aqueles que necessitam considerar estas questões com humildade e generosidade. Sobretudo os que sofrem.

Deus é O Deus das Alianças…não dos desquites. Deus é O Deus da Fidelidade…não de Infidelidades. Deus é O Deus que capacita…não que abandona. Por tudo isso, nenhum ministro do evangelho minimamente sensato poderia jamais começar por abordar este assunto sem deixar claro que Deus abomina o divórcio. E como tal, quer o pastor, quer a igreja local tudo deve fazer para promover, incentivar, construir, batalhar pelo casamento de todos os seus membros. Esgotar as forças, as capacidades, as diligências em prol de salvar um casamento, de salvar uma aliança estabelecida.

Sou categoricamente contra o divórcio. E tudo farei, tudo o que estiver ao meu alcance, para salvaguardar a aliança que foi estabelecida no matrimónio.

Não obstante, a minha visão do casamento não se esgota nessa posição. Nem a tua deveria esgotar-se aí. Pois Deus é O Deus também de casamentos feitos dentro da Sua Vontade. Deus também é O Deus que estabelece ordens de conduta e comportamento a ambos os cônjuges. Deus também é O Deus que exige Santidade, Amor e Fidelidade.

Tenho lido ao longo dos anos, várias explicações para a posição anti cláusula de exceção. Sendo que a de Piper nem é propriamente a mais convincente. Mas eu vou mais além; eu entendo que o divórcio é, infelizmente, a única alternativa em situações derradeiras nas quais um dos cônjuges abandonou por completo os preceitos a que foi chamado a cumprir e para o qual foi alertado, intimado e exortado a cumprir e manter.

Um esposo infiel, adúltero, promiscuo, abusador, agressor e vil para com sua esposa, apresenta-se como incapaz de atingir os requisitos mínimos que o constituem marido de uma mulher.

Ainda assim, com custo digo; um pastor ao deparar-se com casos destes deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para salvar esse lar. Mas deve com a mesma veemência garantir que a parte abusada e vilipendiada seja protegida e colocada em segurança física, sentimental e espiritual.

Se tu estás disposto a afirmar que Deus QUER que uma mulher permaneça num casamento onde é traída, abusada, estrupada, tratada como escrava, agredida física e emocionalmente…então és insano. Mas se o que defendes é que Deus pode restaurar esse homem Vil…sim…nisso creio também.

Mas a condução desse restauro deve em primeiro lugar garantir a dignidade daquela mulher, assim como sua segurança. Portanto, enquanto esse porto seguro fica garantido, o pastor e a igreja deverá conduzir uma jornada massiva no sentido de levar aquele homem ao arrependimento e a uma transformação. Se isso for conseguido, Glória a Deus por isso…e mesmo Só Glória a Deus pois é Ele o único capaz de provocar tamanha transformação.

Todavia, o que me parece completamente despropositado é manter aquela mulher debaixo de um jugo para com um homem que recusou qualquer advertência, exortação e mudança. Estará o prezado leitor disposto a negociar como inferior o direito à integridade física, sexual, emocional e espiritual face ao vínculo com um pérfido homem? O requisito Divino estabelecido em Gênesis 2 não contempla para si estes valores máximos da dignidade humana?

Bem, certo é que a mulher que casou com um homem assim não foi enganada; foi sim superficial na escolha e com certeza não tomou a decisão por aquela pessoa baseada nas Escrituras. E não me venham com essa de que “Ele era diferente antes de casar”, isso é conversa para boi dormir (salva seja a expressão). A mulher tem essa “culpa” sim…de ter casado com um homem a léguas do modelo de Efésios 5.

Bem podem jogar Deuteronómio 4 fora ou “debulharem-se” em como Jesus não estava a dizer aquilo que estava a dizer em Mateus 5 e 19 quanto à cláusula de exceção, façam-no por vossa conta e risco se aquilo que pretendem é fazer declarações Ex cathedra e não lidar pastoralmente com as almas que Deus nos chamou a cuidar.

Entendo que o divórcio pode ser permitido caso uma das partes insista em viver na imoralidade sexual, no adultério, homossexualidade, bestialidade, incesto e pedofilia, ou num trato que coloque em causa a integridade física do cônjuge. Infelizmente, o divórcio é um remédio final e aterrador, dramático que se ingere para abandonar uma vida imposta de bigamia, poligamia e promiscuidade ou espancamento.

Bom, e o Re-casamento?

A questão parece que se torna mais complicada diante de 1 Coríntios 7. Ali Paulo parece indicar que a separação é admissível, mas o re-casamento é inaceitável. Piper advoga que o cristão (a não ser por viuvez) não está autorizado a recasar e usa este texto como um dos pilares de sua convicção.

Ora, confesso que estranho essa leitura dos versos 10 e 11, (quanto a mim) descontextualizada.

No verso 10, Paulo ordena que a mulher não se separe do marido. A ordem destina-se a mulheres crentes que achavam que deveriam deixar o marido descrente. Seguindo o ensino de Cristo, ela não poderia se casar de novo, pois isso seria adultério (Mateus 19:9). Aqui não houve adultério ou promiscuidade sexual. A situação é diferente de Mateus 19. No caso de imoralidade o divórcio foi permitido; no caso de um motivo injustificado, aqui (ter um cônjuge pagão), o divórcio é proibido. Confesso que esta leitura contextual me parece bastante credível e respeitosa. Todavia, notem bem; Paulo está a afirmar que caso a convivência se torne impossível, o divórcio era aceitável, mas não o re-casamento. Pois, neste caso, tal como diz o verso 11 “se o fizer”, o cristão está proibido de casar-se de novo.

Então, se uma irmã na fé pedir aconselhamento pastoral numa situação na qual ela se divorciou (iniciativa dela por conta de incapacidade de convivência com um cônjuge incrédulo) no sentido de querer casar novamente, minha orientação será de que se ela o fizer estará pecando.

Mas, entendo que ao abrigo do verso 15, se foi ele que a deixou por conta da fé da esposa e identificação dela com Cristo…ela obterá da minha parte um aval para recasar em paz.

Mas, dada a complexidade deste assunto, não poderia deixar de referir isto: Embora admita o divórcio nos casos acima referidos, o re-casamento só é por mim (na qualidade de pastor) admissível, havendo garantias cabais de que a pessoa divorciada se sujeita totalmente a um paradigma Bíblico na escolha, na relação e decisão por um novo casamento. Tendo como premissa inegociável que esse novo casamento deverá ser vivido para a Glória de Deus e desse modo indissolúvel.

Convido-vos a adotar o conselho de Piper quanto a esta controvérsia: « Eu não afirmo que encontrei ou disse a última palavra nesta questão, nem que eu estou além de correção caso prove-se que estou errado. Estou ciente de que homens mais piedosos que eu tiveram opiniões diferentes. Entretanto, todas as pessoas e igrejas devem ensinar e viver de acordo com o que dita sua própria consciência informada por um sério estudo da Bíblia.»

É isto que vos peço, ajam e lidem de acordo com vossa consciência. Mas não façam de mim e daqueles pastores que têm a mesma posição que eu, um recipiente de vossa ira e arrogância. Respeitem-nos tal como respeito aqueles que como John Piper tomaram a decisão, em consciência, de pastorear as ovelhas nestes assuntos de acordo com suas convicções sinceras.

Por Pr. Tito Pereira
https://www.facebook.com/PrTitoPereira 

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