terça-feira, 14 de março de 2017

Da comunicação à intimidade


I. Padrões prejudiciais

Sem uma comunicação saudável não haverá intimidade.

Há comportamentos no nosso relacionamento que levam à intimidade enquanto que há outros que são totalmente destrutivos de um casamento.


Há também casais que querem ter uma relação saudável mas desconhecem que certos comportamentos apenas a danificam.


Vamos portanto identificar alguns comportamentos que são prejudiciais. Há alguns modelos padrão que passam de pais para filhos repetindo-se por gerações sucessivas e essa herança tem de ser interrompida.

Vamos observar alguns comportamentos padrão de uma forma criativa:

II. As quatro aves.

1. Pomba.



O comportamento tipo “pomba” quer paz a qualquer custo só para que o deixem sossegado. Evita o ódio e apazigua o cônjuge furioso.

Frases típicas:
- Por mim, tudo bem.
- O que estiver bom para ti, por mim pode ser.
- Ok.
- Tá.
- Hum.

A pomba nunca discorda do cônjuge independentemente dos seus sentimentos relativamente a qualquer questão.

Certo marido tinha uma esposa que se irritava com muita facilidade e ele começou a evitá-la. Qualquer coisa que ela fizesse ou quisesse estava tudo bem para ele. Mas para evitar discussões ele começou a dedicar-se mais ao trabalho e o relacionamento deixou de existir. Por fim ela deixou-o pois percebeu que deveria haver muito mais na vida para usufruir.

Este é o exemplo clássico dos que agem como se fosse pombas. Procuram a paz a qualquer preço mas por fim o resultado acaba por ser mais doloroso ainda.

2. Falcão



O falcão é o tipo de pessoa forte e beligerante mas na realidade usa essa aparência para esconder as suas fragilidades.

Frases típicas:

- A culpa é tua.
- Nunca fazes nada certo, estragas sempre tudo.
- Não entendo como podes ser tão estúpida.

É um padrão de humilhação contínua dos outros. Gosta de mandar para depois dizer que foi mal feito.

Se o cônjuge tiver uma auto-estima baixa irá acreditar piamente o seu cônjuge todo-poderoso; se tiver uma auto-estima adequada o certo é que haverão discussões intermináveis.

Certo “falcão” na sua juventude andava sempre a pular de um emprego para o outro e nunca teve capacidade sequer para comprar um carro. Quando casou a esposa era culpada sempre que alguma coisa não lhe corria de feição incluindo a falta de gasolina no carro que ela própria comprou antes de casar. Ela tinha culpa pelo corte da luz que ele também não pagava, tinha culpa por não ter a roupa lavada apesar de andar com o carro durante todo o Sábado (a esposa poderia ir para a lavandaria a pé porque era perto de casa)… A esposa como tinha uma baixa auto-estima aceitava este comportamento mas quando atingia o limite deixava-o durante algumas semanas. Mas quando a solidão a atacava voltava para ele. E sexo? Sim, uma vez por outra. Intimidade? Claro que não.

É evidente que ninguém pode estar sempre certo como ninguém pode estar sempre errado. Contudo o falcão nunca pára para refletir sobre isso pois o que mais conta é a sua própria opinião.

Provérbios 18:2 “O tolo não tem prazer no entendimento, mas sim em expor os seus pensamentos”

3. Coruja.



A coruja é uma pessoa controlada, calma e nunca perde a compostura. Não demonstra sentimentos. Usa sempre uma linguagem correta e bem elaborada quando discorda do cônjuge. É como um computador, tem sempre solução para todas as questões e até tem versículos bíblicos decorados na sua argumentação. As suas respostas são tão bem elaboradas e razoáveis, recheadas de boa lógica, que é impossível não concordar com as suas conclusões.

Se vier uma tempestade a coruja espera pacientemente que ela passe e então prossegue com o seu raciocínio.

Certa esposa um dia explodiu: o meu marido é tão razoável que me deixa louca. Passa horas a explicar-me as coisas como se eu fosse uma criança. Nunca se descontrola. Apesar de me deixar falar nunca ouve o que estou a dizer. Por isso deixei de falar, não adianta.

Que tal ter intimidade com uma coruja destas? E sexo? Tu farias sexo com um computador? Esta mulher também não.

O que se passa dentro de cada “animal” pode variar muito mas geralmente estas pessoas escondem as suas inseguranças e vulnerabilidades em habilidades intelectuais. A coruja pretende controlar os seus sentimentos de inferioridade e inadequação manipulando pela via filosófica.

4. A avestruz.


O comportamento regular da avestruz é ignorar o problema ou os comentários do outro, especialmente se forem contrários ao seu. A avestruz raramente responde diretamente ao outro. Se responde não o faz de forma negativa mas é um ativista e começa a falar de coisas que não têm nada a ver com o assunto.
Se questionado sobre o que está a fazer, responde sobre outra coisas pois nem ele sabe próprio o que está a fazer. Usa um tom de voz que não tem qualquer relação com as palavras e caminha com a conversa em todas as direções, menos o que realmente interessa.

Certo marido queixou-se da sua esposa: Não consigo conversar nada pois ela fala o tempo todo sem chegar a lugar algum. Fala sobre dez assuntos ao mesmo tempo e não consigo chegar a nenhuma conclusão com ela.

Conclusão, com a avestruz não sabemos se não quer conversar sobre o assunto ou se simplesmente não sabe conversar. O comportamento do avestruz é prejudicial ao desenvolvimento da intimidade no relacionamento. O avestruz simplesmente acredita que se ignorar o problema ele irá desaparecer e se puder ainda irá citar vários versículos bíblicos sobre fé.

Os comportamentos acima perturbam a intimidade do casal em vários domínios:

- Intelectual;
- Emocional;
- Social;
- Espiritual;
- Físico.

Quando se trata de um casamento em contexto cristão para agravar a situação ainda mais um dos cônjuges poderá usar a Bíblia deturpando-a com intenção de a usar para benefício próprio.

III. Padrões saudáveis

Uma vez que identificamos algum destes comportamentos na nossa vida é importante reconhecer que temos de mudar alguma coisa.

Como fazê-lo?

1. Identifica se a origem tem proveniência no comportamento dos teus pais e se passaste a reproduzi-los, até aqui, inconscientemente;

2. Reconhece que estes padrões são prejudiciais ao teu relacionamento;

3. Decide que tens de mudar o teu padrão de comportamento. A Bíblia enfatiza a necessidade de o homem/mulher fazer escolhas e ela (a Palavra) deve ser usada em primeiro para nós próprios;

4. Substitui os padrões antigos por padrões novos. “Despe-te do velho homem” Ef. 4:22-24;

5. Reconhece sempre que falhares reincidindo nos padrões antigos. As mudanças não ocorrerão de um dia para o outro;

6. Sê honesto. A natureza dos hábitos é serem persistentes e por isso o processo de retorno pode ser lento. Pergunta ao teu cônjuge: Estou a mudar os meus comportamentos antigos? A honestidade também leva à intimidade.

IV. Cinco níveis de comunicação.

Do mesmo modo que há padrões de comportamento que se revelam através da forma como comunicamos também há formas de comunicar que nos levam a um nível de intimidade cada vez mais perfeito.

Nível 1. Oi!

- Está tudo bem? Sim tudo bem.
- Bom dia… Bom dia.

Há formas de comunicar que são extremamente básicas. Não passam de um cumprimento ou ritual para mascarar a nossa indiferença. Dizer ou não “bom dia” pode ser a diferença entre ser bem-educado ou mal-educado.

O nível 1 de comunicação é um nível superficial, adquirido na infância ou mesmo com origem na cultura. Outras formas poderão ser: amo-te; até logo; tem cuidado; vai devagar; até amanhã.

É verdade que não são frases inúteis. Pelo menos dão a sensação à outra pessoa que é um ser existente na vida de alguém. Experimenta, em lugar de “vai com cuidado”, dizer “espero que sejas atropelado antes de chegar ao teu trabalho” e verás se uma ou outra fazem ou não a diferença.
Mas no nível 1 ainda podemos chegar um pouco mais longe:

- Olá tudo bem?
- Tudo bem, obrigado.
- Como está a tua família?
Aqui percebemos logo se a comunicação tem bases para ir mais longe e passar ao nível seguinte.
- A minha filha está com gripe, a minha esposa partiu uma perna, o meu pai morreu a semana passada…

Muitas pessoas têm dificuldade em passar deste nível.

Certa esposa queixou-se porque o marido depois de três dias fora no trabalho, à pergunta como tinha corrido, ele simplesmente respondeu: Correu tudo bem! Três palavras como relatório de três dias de trabalho!

Facto é que muitos casais comunicam apenas neste nível.

Nível 2. Quero só factos!

Quem, o quê e onde. O casal só troca informação sobre o que viu e ouviu, onde isso ocorreu e quando aconteceu.

- Conversei com a Sandra hoje de manhã e ela disse-me que o António vai ficar internado três dias.
- Hum…!
- Ela disse que se a recuperação não for total ele pode ter que ser operado segunda vez.
- Hum…! A irmã dela já encontrou o cachorro?
- Sim, o vizinho do lado encontrou-o mas não sabia de quem era mas ele ouviu o cão ladrar e foi buscá-lo.

Neste nível só se fala o que é factual e é uma espécie de reportagem para noticiário, ou redes sociais, se quiserem: Onde foram tiradas as fotos? Com quem? Quanto custou a estadia?

Este tipo de nível de comunicação é encarada por muitos casais como muito boa mas na verdade ainda está longe de produzir um bom desenvolvimento nas áreas da intimidade intelectual, emocional, espiritual e física. É um nível de comunicação ainda medíocre e com muita falta de cumplicidade.

Nível 3. Queres saber a minha opinião a respeito disso?

A conversação “nível 3” vai muito para além dos factos. É um nível em que cada um tem a liberdade de apresentar a sua opinião sem medo de ser criticado, por exemplo:

- Estou a pensar trocar de carro quando receber o dinheiro de devolução de I.R.S.
- Acho que a igreja deveria convidar o Pr. Samuel e a Susana para virem cá mais vezes.
- Gostaria de ir à praia no próximo Sábado.

Agora vamos ver como o casal do exemplo anterior poderia melhorar a sua comunicação:

- Queres saber a minha opinião? Acho que a Sandra deveria vir à igreja e juntos deveríamos orar pelo António. Receio que se eles não confiarem em Deus a vida deles pode deteriorar-se imenso, isto sem falar no relacionamento deles, pois já poderiam ter ido ao Encontro de Casais e conviver connosco mais vezes!
- Sim também acho, nós melhoramos muito o nosso relacionamento desde que começamos a conviver mais com o Tony e com a Maria. Ter ido ao Encontro e ter estado no sótão lá em Azeitão teve um grande impacto nas nossas vidas.

É evidente que a possibilidade de conflitos no nível 3 é maior que no nível 2, especialmente se ainda não colocámos em prática a mudança de “animal” para “ser humano”.

Alguns casais comunicam pouco no nível 3 porque não gostam de ouvir a opinião do outro ou sequer ser contrariados. Ao sentirem-se ameaçados retiram-se para o nível 2 ou mesmo para o 1. Fazem mal, claro.

Um nível de comunicação razoável exige cada um dos cônjuges tenha a liberdade de pensar de forma diferente um do outro. Não é preciso que ambos concordem sempre, é imprescindível que ambos tenham liberdade de se expressar e que o outro seja receptivo ao emissor e não desvie o assunto para conversas sobre cachorros.

Nível 4. Sabes como me sinto?

Chegámos a um nível em que os nossos sentimentos não dependem dos acontecimentos. Palavras como: magoado, desapontada, feliz, triste, furioso, deprimida, motivado, solitário, mal-amada, são as que usamos neste nível.

O que sentimos não é necessariamente apenas coisas boas. São também as nossas frustrações, e em suma, trata-se da partilha dos nossos sentimentos. Se não consegues partilhar os teus sentimentos com o teu cônjuge então o teu relacionamento está em risco. Como se pode ter intimidade sem liberdade para partilhar sentimentos?

Teste: Quando saíres daqui para tua casa põe o teu nível de comunicação à prova começando por conversar com o teu cônjuge sobre o convívio de hoje.

- Gostei muito do teatro que vimos no convívio de hoje…
Cônjuge: ……………………………………………………………………….

- Estive a refletir sobre o tema do convívio de hoje e acho que me tenho comportado como um animal…
Cônjuge: ………………………………………………………………………

- Em que nível de comunicação achas que nós nos encontramos?
Cônjuge: ………………………………………………………………………

- Não gostei nada do tema do convívio de casais!
Cônjuge: Não querido, estás irritado apenas porque muito do que ouviste tem a ver com o teu comportamento.

Saltar do nível 3 para o 4 é muito exigente. A partilha de sentimentos expõe o nosso carácter e pode fazer-nos regressar facilmente ao “estado animal”, ou seja, se um dos cônjuges critica tudo o que viu e ouviu durante o dia, (partilhou o que sente), o outro pode adoptar um comportamento de “pomba” à espera que ele se cale. Portanto, partilhar sentimentos é bom mas ter alguém que nos consiga ouvir e aceitar uma opinião diferente é melhor ainda.

Entrar neste nível é arriscar muito também. Evidentemente que esta liberdade não se consegue apenas com uma ministração e daí a importância dos dois estarem aqui a ouvir a mesma coisa, mas é importante também que cada um não leve para casa a parte que lhe convém.

Também não podemos entrar o nível 4 de um dia para o outro porque pode haver muitas recaídas para o nível 3, 2 e 1. Por isso calma, o importante é assumirem os dois que não devem desistir de conseguir chegar o mais longe possível.

Outro exemplo de partilha de sentimentos:
- Ultimamente tenho me sentido muito deprimida…
- Oh mulher, alguma vez te bati?
Outra resposta possível: - Oh mulher, sinceramente, dou-te tudo o que precisas!

É evidente que este tipo de respostas irão baixar o nível na comunicação. O marido em vez de perguntar o que se passa argumenta com provas irrefutáveis (tipo coruja), que não há razão para ela estar assim!

A responsabilidade do cônjuge deve ser subir o nível do relacionamento e não reduzi-lo, mas se não o consegue fazer subir então deveria pelo menos mantê-lo.

Então qual poderá ser o último nível de conversação ideal que pode conduzir a uma intimidade perfeita?

Nível 5. Conversa honesta.

Honestidade implica genuinidade e romantismo.

Neste nível podemos falar toda a verdade com amor e saber que seremos ouvidos sem juízos precipitados. Somos honestos sem condenar; espontâneos sem exigir; compreensivos em vez de emitir julgamentos; procuramos crescer e aprender um com o outro.

ATENÇÃO: Diferença entre sentimentos e pensamentos.

Em que estás a pensar? É a pergunta que as mulheres mais fazem ao seu cônjuge. Quantos homens aqui não tiveram já que fintar esta pergunta?

Lamentavelmente a todos nós ocorre pensamentos imbecis, porém, sentimentos é outra coisa. Há coisas que saiem da boca para fora até mesmo sem pensar e daí a serem sentimentos reais pode haver uma grande distância. O que pensamos tem também a ver com a pureza da nossa mente e com o ambiente a que estamos expostos diariamente.

Experimenta compartilhar tudo o que pensas com o teu cônjuge:
- Querida, hoje vi uma miúda no supermercado tão boa que tive uma vontade doida de me meter com ela!

A honestidade é essencial para a intimidade mas a tolice é contraproducente. Infelizmente todos nós temos pensamentos malucos e irracionais mas eles são tão indignos que sequer merecem ser compartilhados. Já dizer: “Querida hoje estou muito carente” é outra coisa mas omitir a tua tentação no supermercado é sabedoria.

Há coisas que podem e devem ser compartilhadas apenas com Deus. Paulo diz-nos para levar “cativo todo o pensamento à obediência de Cristo” II Coríntios 10:5

Relativamente à honestidade, que é um tema muito vasto, desta vez ficamos com a necessidade de partilhar o que sentimos.

Conclusão.

O caminho para uma intimidade saudável exige persistência e novas aprendizagens. Pode acontecer que os dois num momento dêem alguns passos à frente em matéria de comunicação e quando pensam que estão a chegar à intimidade, de repente, um pequeno episódio, atira com tudo ao chão de novo e faz parecer que todo o trabalho foi em vão. Não, não foi. Cada passo que damos, cada caminho que percorremos, cada vez que nos esforçamos, proporciona-nos novas aprendizagens e faz-nos também mais sábios e resistentes. Não desistas. Qualquer um que sabe juntar letras também sabe formar palavras e frases, e na medida em que aperfeiçoamos a nossa forma de comunicar, abandonando comportamentos nocivos, tornamo-nos mais resistentes.

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Avaliação.

O questionário proposto desta vez foi demasiado complicado para obter uma conclusão mais fiável e, além do mais, alguns esqueceram-se de assinalar o seu género. Assim reduzi a conclusão global para obter o "animal" com o qual o grupo na generalidade mais identificava no seu padrão de comportamento conjugal (sendo também um facto que alguns não se reviram em qualquer deles), e o nível de comunicação em que globalmente mais comunicavam. Assim conseguimos verificar que tínhamos 6 "avestruzes", 5 "pombas", 4 "falcões" e 2 "corujas". No que diz respeito à comunicação, doze pessoas consideram-se honestas (nível 5), cinco comunicam no nível 4 e duas no nível 1.

Estiveram presentes um total de 21 pessoas pois a esposa de um encontrava-se doente.

Os casais foram separados para responder às questões. A avaliação não pretende produzir qualquer amostra científica pois pois tratou-se apenas de uma ferramenta para reflexão pessoal.



Este tema foi inspirado nos capítulos 2 e 3 deste livro. O texto acima não contém qualquer transcrição literal ou parcial de qualquer parágrado desta obra mas recomendo vivavemente esta leitura.

Samuel Dias



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