terça-feira, 15 de julho de 2014

Os deuses de barro



Porque ficamos transtornados quando algum defeito de um dos nossos ídolos é exposto?

Alguns dos meus amigos ficaram indignados por ter trazido para o presente um assunto que, presentemente, é motivo de regozijo e indignação, nas redes sociais de israelitas e árabes. Cristiano Ronaldo terá dito no balneário “não troco a minha camisola com assassinos” ao justificar-se por não ter trocado a sua camisola com Yuval Spungin, jogador do Maccabi TelAviv”, quando em Março de 2014, em Israel, jogou com a seleção israelita.

A ser verdade esta afirmação, não sabemos se ela é dirigida a judeus, a árabes, ou a ambos, sendo conhecido que nas equipas da 1ª liga de Israel, jogam cidadãos israelitas sem distinção de raça ou credo. Mas nós sabemos do potencial da afirmação assim como as suas motivações.

O Artigo 18º da Declaração Universal dos Direitos do Homem diz que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião…”, o artigo 2º invoca “os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.”


Já a carta de princípios da FIFA reza o seguinte: “A FIFA faz tudo que está a seu controle para combater o racismo e a discriminação de qualquer tipo, promover relações amigáveis entre indivíduos e organizações envolvidos no desportoe e fazer com que os mesmos tenham em observância os Estatutos, regulamentos e princípios de fair-play da FIFA. A FIFA também oferece os meios institucionais necessários para resolver disputas.”

P
osto isto, eu, como cidadão do mundo livre que aceita e reconhece a Declaração Universal dos Direitos do Homem, cristão, adepto de futebol, apoio a seleção do meu país independentemente da raça, credo ou ideologia política dos jogadores. Também, reservo-me o direito de ter opinião sobre o comportamento e empenho dos jogadores, pois os mesmos apresentam-se figuras públicas. A crítica e o elogio é um direito pessoal desde que não julgue ninguém pelos pressupostos acima mencionados e universalmente aceites, assim como tenho o dever de preservar por uma linguagem respeitosa e cordial como com a qualquer outro ser humano.

No caso em cima da mesa, o CR7 não é obrigado a trocar a camisola com nenhum jogador, nem tão pouco precisa de justificar a razão porque o não faz. Como jogador português concedo-lhe o direito, como já referi, de ter o meu respeito e admiração, tenha ele religião ou não, faça obras sociais ou não, seja simpatizante da causa palestiniana ou não.

O problema parece estar na tolerância ou na falta dela quando se toca no carácter destes ídolos, ou nas suas convicções religiosas ou políticas. Parece que o nosso “pavio curto” acende, depressa trocamos a nossa amizade pessoal pelos ídolos e perdemos a maturidade de reconhecer que na diferença de opiniões também se aprende.


Eu sei que é forte a utilização do termo “ídolos” e perdoem-me a força da palavra. Uso o termo porque o assunto rouba-nos alguma postura e equilíbrio emocional. “A coisa rouba o lugar de…”, é nesse sentido.

Vamos a exemplos. No meio cristão quando alguém cita o Salmo 122:6 “Orai pela paz em Jerusalém…” vem logo sempre alguém a correr a dizer que também temos que orar por Lisboa, pelo Rio de Janeiro, por Tóquio…; quando alguém diz “God Bless América” vem logo alguém a dizer “God Bless Spain”, God Bless Angola, God Bless Timor”. Por causa da nossa ideologia negamos ao outro o direito de ser específico, como se todos tivéssemos que ser genéricos, abranger todos os detalhes e nunca omitir qualquer dos nossos.

No meio secular lembro-me da confusão que deu um amigo meu ter publicado uma comparação entre o Angélico Vieira, ator e cantor de uma novela portuguesa, e Xavier de Lima, empresário, que deu emprego a milhares de portugueses. Para alguns foi um choque dizer que a popularidade do primeiro foi excessiva quando comparada ao mérito devido do segundo, pois esse sim deveria ter recebido honras ainda maiores nos meios de comunicação social.

Voltando à afirmação polémica, naturalmente que ela é de todo infeliz. Primeiro, os jogadores que vestem a camisola de Israel não são assassinos, se o fossem, seriam julgados pois são cidadãos num estado de direito. Segundo, se a afirmação visa o povo judeu como um todo, a afirmação resulta de muita ignorância relativamente à história (pelo menos) recente de há dez anos para cá desde que a Faixa de Gaza se tornou um território autónomo com milhares de foguetes a serem lançados continuamente sobre as cidades do sul de Israel. Terceiro, a afirmação proferida por uma figura pública espalha-se como um rastilho por tudo quanto é sítio, não produz paz e antes pelo contrário atiça a guerra pois o beligerantes, qualquer deles, estão ávidos por simpatizantes para a sua causa e razões.

Felizmente que o CR7 não representa o povo português no que diz respeito a questões humanitárias. Aristides de Sousa Mendes, por exemplo, salvou judeus, não pode serem judeus, mas por serem seres humanos. Este herói não precisou de qualquer declaração universal para agir de acordo com a sua consciência. A sua consciência foi moldada pela Bíblia e não pela opinião popular que naquela altura lhe seria mais conveniente mesmo em termos pessoais. Por causa deste gesto perdeu tudo o que tinha como se sabe.

Tenho visto comentários relativamente a este gesto de Ronaldo, como “homem que merece o meu respeito”, “só por causa disto já mereces ser o melhor jogador do mundo”, “agora admiro mais este extraordinário ser humano”, “que Alá te abençoe e te coloque no verdadeiro caminho”, enfim… como cristão não posso subscrever nem a afirmação nem o seu impacto. Não posso é deixar de convidar o Cristiano a fazer-se respeitar por outros valores quando chegar o tempo de ele os conhecer.

É sabido, por meios divulgados pelo próprio Hamas e por outros radicais islâmicos que mesmo que os judeus não possuíssem aquela terra, os perseguiriam até aos confins do mundo até que não restasse nenhum. Do mesmo modo o seu livro sagrado, o Corão, promete o Paraíso a todo aquele que matar o infiel: "Eu instilarei terror nos corações dos infiéis, golpeai-os acima dos seus pescoços e arrancai todas as pontas dos seus dedos. Não fostes vós quem os matastes; foi Alah" (Sura 8:13-17). "Imprimi terror nos corações dos inimigos de Deus e vossos inimigos" (Sura 8:60).

É sabido, que o judeu relativamente à morte, segue por esta via: “O céu e a terra tomo hoje por testemunhas contra ti de que te pus diante de ti a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência” (Deuteronómio 30:19); e que o Deus de Israel não tem qualquer “…prazer na morte do ímpio, mas sim em que o ímpio se converta do seu caminho, e viva.” (Ezequiel 33:11)

Sou cristão. O cristão caracteriza-se por valores com raízes judaicas mas também por um fruto que floresce acima da Lei de Moisés. Jesus muitas vezes referiu-se à Lei com um acréscimo: “Eu porém vos digo…”
- “… não resistais ao homem mau; mas a qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;” (Mateus 5:39)
- “… Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem.” (Mateus 5:44)

Não vamos privar o Ronaldo de fazer parte da nossa estima pessoal apenas porque, previsivelmente, ele deixou que um ódio se instalasse no seu coração. O seguidor de Jesus, assim como o seguidor de Moisés, está impedido de matar por opção própria. “Matar”, na Bíblia, significa privar o outro do seu direito à vida e de existir nas nossas vidas. Mas também do mesmo modo, a mesma Bíblia, não nos priva de repreender e corrigir quem estiver errado. Um judeu jogador pode não ter lugar para habitar no coração de Ronaldo, no mínimo isso pode colocá-lo mais longe da possibilidade do outro judeu que morreu pela humanidade para que os homens pudessem todos viver sem barreiras e em paz.


Não excluo as outras virtudes do CR por os seus valores não serem iguais aos meus mas também não sou cego a ponto de o colocar no pedestal dos intocáveis. Não vejo portanto qualquer razão para ser excluído da amizade dos meus amigos por ter uma opinião diferente deles, como do mesmo modo, à semelhança de Elias e João Batista, não vejo razão para que não possa censurar este “deus de barro”.

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