quarta-feira, 2 de julho de 2014

Os puritanos


"Aos caluniadores profissionais do prazer é costume chamar «puritanos». Sabes quem é puritano? É aquele que garante que o sinal de que uma coisa é boa consiste em não gostarmos de a fazer. É aquele que sustenta que tem sempre mais mérito sofrer do que gozar (quando, na realidade, pode ser mais meritório gozar bem do que sofrer mal).

E pior ainda: o puritano que quando alguém vive bem tem de passar mal e que quando alguém passa mal é porque vive bem. Podes ter a certeza: os puritanos consideram-se as pessoas mais «morais» do mundo e, além disso, pretendem ser guardas da moralidade dos vizinhos.

Não gostava de exagerar, ainda que costume ser exagerado, mas ia dizer-te que é mais «decente» e mais «moral» o desavergonhado comum do que o puritano oficial.

O modelo deste último é habitualmente a senhora daquela história...lembras-te? Chamou a polícia para protestar porque havia uns rapazes nus diante da casa dela. A polícia afastou os rapazes, mas a senhora voltou a telefonar dizendo que eles estavam a tomar banho (nus, sempre nus) um pouco acima e que o escândalo continuava. A polícia volta a mandar os rapazes embora e a senhora volta a protestar. «Mas, minha senhora», disse o inspector, «já os pusemos a mais de um quilómetro e meio de distância...». Ao que a puritana respondeu, então, «virtuosamente» indignada: «É verdade, mas com os binóculos ainda consigo vê-los!»

(Fernando Savater em Ética Para Um Jovem)

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